sexta-feira, 6 de março de 2015

O aparecimento dos Escritos Cristãos: o Evangelho da Salvação

(continuação do post anterior)

A meta desta seção não é reiterar o que já se pode ser encontrado no presente em termos de trabalhos eruditos acerca do Novo Testamento. Assim, eu não entrarei aqui na discussão técnica sobre as várias "Cristandades" (i. e, gentílica, judaica ou joanina) que podem ter formado o texto do Novo Testamento, ou os diversos gêneros literários que contribuíram para diferenças tão óbvias entre Mateus, Lucas e Marcos de um lado e João de outro, ou o assim chamado problema sinóptico e a fonte-Q proposta. Em vez disso, o objetivo aqui é dar uma olhada mais de perto para o caminho em que as autoridades da Antiga Igreja avaliaram o aparecimento dos quatro Evangelhos Canônicos e seu "status" como Escritura. Quais foram os acontecimentos centrais que determinaram às comunidades cristãs primitivas por em escrito o testemunho apostólico? E como a Igreja primitiva entendeu as diferenças entre os escritos resultantes? Mais importante ainda, como a Igreja nestes primeiros séculos entenderam a relação entre estes Evangelhos e as antigas Escrituras Judaicas?
Os aspectos definidores da pessoa de Jesus foram inicialmente proclamados através do querigma apostólico: "Nós  vos anunciamos o que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que olhamos e tocamos com nossas mãos, acerca do mundo da vida ... nós proclamamos (apangelomen) a vós o que nós vimos e ouvimos para que assim vós possais ter amizade conosco; e verdadeiramente nossa amizade é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo". (Primeira a João 1:13). Este foi o relato das testemunhas oculares da primeira geração de discípulos de Jesus. Mas o que desencadeou esta proclamação oral (kerigma) para ser posta por escrito? Em primeiro lugar, foi o fato e o testemunho da ressurreição de Jesus dos mortos.
Para os primeiros seguidores de Jesus o próprio fato e testemunho da ressurreição funcionou como ponte entre o "Jesus Histórico" e a metahistória, do Senhor (Kyrios) sempre presente e escatológico. Aquele que o confessa como Senhor e crê que Deus o ressuscitou pode entrar em um diálogo vivo com Ele (Romanos 10:9). A "boa nova" (Evangelho) que Jesus de alguma maneira sobreviveu, ou retornou à vida após morte violenta tomou todos os lugares, suas ações anteriores e ditos, em uma nova matriz interpretativa. Sua pessoa era agora vista fora de uma pequena localidade e de uma arena temporal, o primeiro século da Palestina, onde desdobrou-se sua missão. Jesus era reconhecido como o Kyrios, o "Senhor", o intocável, como se pode concluir do relato pós ressurreição com Maria Madalena na manhã de Domingo no jardim onde estava sepultado (João 20: 11-18).