segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Piedade e Altruísmo

O texto a seguir é de Vladimir Solovyov, poeta, filósofo e teólogo russo.
Trata-se do terceiro capítulo do livro: The Justification of the Good, An essay on Moral Philosophy.Michigan, eerdman Publishing Co, 2005. Páginas 53 a 67,

Solovyov, que foi amigo confidente de Dostoiévki, compartilhava com o amigo o amor pelo cristianismo, ainda que ele fosse favorável ao catolicismo romano, ao qual se converteu. Solovyov, como eu também, julgava que a missão de seu vida era lutar pela unidade das duas Igrejas Católicas. Para tanto, Solovyov considerava necessário que a Igreja ortodoxa se submetesse à autoridade de um hierarca, neste caso, o papa.

Piedade e Altruísmo

I)
Por muito tempo se pensou - e muitos começam a pensar assim também - que a mais alta virtude ou santidade deve ser encontrada no asceticismo e na 'mortificação da carne', na supressão das inclinações e afecções naturais, na abstinência e liberdade das paixões. Nós vimos que este ideal contém indubitavelmente alguma verdade, pois é claro  que o lado mais elevado e espiritual do homem tem de dominar o mais baixo e material. Os esforços da vontade nesta direção são os atos de autopreservação espiritual e a primeira condição de toda a moralidade. A primeira condição, porém, não pode ser considerado o fim último. Um homem deve fortalecer seu espírito e subjugar sua carne, não porque este seja seu propósito de vida, mas porque apenas quando ele é liberto da escravidão cega e dos maus desejos materiais que ele pode servir à verdade e à bondade no caminho certo e atingir a real perfeição.

As regras de abstinência fortalecem o poder espiritual do homem que as pratica. Mas de modo que o espírito fortalecido pode ter dignidade  moral - isto é, pode ser bom e não mau - isto deve unir os poderes sobre sua própria carne com atitudes probas e caritativas em relação aos outro seres. A história mostrou que, sem esta condição, a supremacia do princípio ascético, mesmo quando combinado com uma religião verdadeira, conduz a consequências terríveis. Os ministros da Igreja Medieval, que costumavam torturar e queimar hereges, Judeus, feiticeiros e bruxas, eram na maior parte das vezes homens irreprováveis de um ponto de vista ascético. Mas a força unilateral do espírito e a ausência de piedade fizeram deles demônios encarnados. Os frutos amargos do asceticismo medieval justificam suficientemente uma reação contra ele, que é, na esfera da filosofia moral, conduzida pela supremacia do princípio altruísta na moralidade.

Este princípio é profundamente enraizado em nosso ser na forma do sentimento de piedade que um homem tem em comum com outras criaturas vivas. Se o sentimento de vergonha o diferencia do resto da natureza e o distingue dos outros animais, o sentimento de piedade, ao contrário, o une com todo o mundo vivente. E isso em um duplo sentido: em primeiro lugar porque o homem o compartilha com todas as outras criaturas viventes, e em segundo lugar, porque todas as criaturas viventes podem e devem ser objeto deste sentimento humano.


II)
Que a base natural de nossa relação moral com os demais é o sentimento de piedade ou compaixão, e não o sentimento de unidade e solidariedade em geral, é uma verdade que independe de qualquer sistema metafísico[i] e não envolve uma visão pessimista do mundo e da vida. Como é bem sabido, Schopenhauer mantém que a natureza última do universo é a Vontade, e vontade é essencialmente um estado de insatisfação (pois satisfação implica que não há nada para desejar).  Neste ponto, insatisfação ou sofrimento é a determinação fundamental e positiva de toda a existência em seu aspecto íntimo e o vínculo moral inerente a todos os seres é compaixão.  Mas completamente a parte a esta teoria duvidosa – e os cálculos igualmente dúbios de Hartmann, que tenta provar que a soma de dor é incomparavelmente maior do que a soma de prazer – nós descobrimos que da natureza da questão posta, a única base da relação moral com os outros seres é, como questão de princípio, se ver em estado de piedade ou compaixão, e certamente não de co-regozijo ou co-prazer.
Deleite humano, prazer e alegria podem obviamente ser inocentes e mesmo positivamente bons – e em algum caso compartilhá-los tem um caráter moral positivo. Mas, por outro lado, prazeres humanos podem ser, e frequentemente são, imorais.  Um homem perverso e vingativo encontra prazer em insultar e atormentar aqueles que lhe estão próximos, regozija-se em sua humilhação, deleita-se no prejuízo que acarreta. Um homem sensual encontra o gozo máximo na devassidão; um homem cruel em matar animais e mesmo seres humanos; um bêbado fica feliz quando está se estupidificando a si mesmo com bebida, etc. Em todos estes casos o sentimento de prazer não pode ser separado das más ações que o produzem, e algumas vezes, de fato, o prazer dá um caráter imoral a alguma ações que seriam, em si mesmas, indiferentes. Assim quando um soldado na guerra mata um inimigo por causa do comando e de nenhum outro motivo que não seja o cumprimento do ‘seu dever como soldado’, ninguém o causaria de uma crueldade imoral, qualquer que possa ser nossa atitude na guerra.  Mas isso se torna diferente se ele encontra prazer em matar e baioneta um homem com gosto. Em mais alguns casos a coisa é ainda mais clara; assim, é óbvio que a imoralidade do bêbado não consiste na ação externa de tragar certos drinques, mas no prazer inerente que um homem encontra em artificialmente estupidificar a si mesmo.
Mas se um certo prazer é em si mesmo imoral, a participação nele por qualquer outra pessoa (co-regozijo; co-prazer) também recebe um caráter imoral. O fato é que a participação positiva em um prazer implica a aprovação daquele prazer. Assim, ao compartilhar o deleite do bêbado em seu prazer favorito, eu aprovo a bebedeira; ao compartilhar a alegria de alguém por uma vingança bem sucedida, eu aprovo a vingança. E já que estes prazeres são maus prazeres, aqueles que simpatizam com eles os aprovam no que têm de ruim, e consequentemente são culpados eles mesmos de imoralidade. Como uma participação em um crime é ela mesma reconhecida como crime, assim simpatizar com prazeres viciosos ou deleitar-se neles deve ser pronunciado em si mesmo como vicioso. E de fato a simpatia com o mau prazer não apenas envolve aprovação dele, mas também pressupõe a mesma má propensão no simpatizante. Apenas um bêbado se deleita na bebedeira de outra pessoa, apenas um homem vingativo se regozija na revanche de outro. A participação nos prazeres ou gozos de outros podem então ser bons ou maus de acordo com seus objetos; e se ele pode ser imoral, ele não pode, enquanto tal, ser a base para uma relação moral.
 A mesma coisa não pode ser dita sobre sofrimento e compaixão. De acordo com toda ideia disto, sofrimento é um estado em que a vontade daquele que sofre não tem parte direta ou positiva. Quando falamos de ‘sofrimento voluntário’ nós queremos dizer, não que o sofrimento como tal seja desejado, mas que o objeto da vontade torna o sofrimento necessário, em outras palavras, que o objeto da vontade é o bem que é atingido pelo sofrimento. Um mártir sofre tormentos, não para o seu próprio bem, mas porque nas circunstâncias elas são consequência necessária de sua fé e um meio para uma glória mais elevada e para o Reino de Deus. Por outro lado, sofrimento pode ser merecido, i. e., sua causa pode jazer em más ações; mas o sofrimento como tal é distinto de sua causa e não contém nenhuma culpa moral; pelo contrário, ele é reconhecido como sua expiação e redenção.  Que a embriaguez seja um pecado, nenhum moralista, mesmo dos mais severos, pronunciaria que a dor de cabeça que resulta dela seja um pecado também. Por esta razão a participação no sofrimento dos outros (mesmo quando eles merecem) – isto é, piedade ou compaixão – nunca pode ser imoral. Em comiseração com quem sofre, no mínimo, só não aprovo a causa do mal de seu sofrimento.  Piedade pelo sofrimento do criminoso não significa aprovar o justificar seu crime. Pelo contrário, quanto maior minha piedade pelas funestas consequências do pecado de alguém, quanto maior minha condenação de seu pecado.
Participação na alegria dos outros têm sempre um elemento de auto-interesse. Memso no caso de um velho homem compartilhando a alegria de uma criança duvido que ele possa sentir isso como sendo um sentimento de natureza altruísta; pois em qualquer caso é agradável para um velhinho refrescar a memória de sua própria infância. Pelo contrário, todo genuíno sentimento de lamento com relação ao sofrimento alheio, mesmo se moral ou físico, é uma aflição pela pessoa que experimenta aquele sentimento, e é consequentemente o oposto do egoísmo. Isto é claro do fato que a dor sincera com relação aos outros perturba nossa alegria pessoal, nos desanima, isto é, prova ser incompatível com o estado de satisfação egoísta.  A compaixão e piedade genuínas não possuem nenhuma motivação egoísta e é puramente altruísta, enquanto o sentimento de co-prazer e co-regozijo é, de um ponto de vista moral, uma mistura de sentimentos indefinidos.
  

III)
Há outra razão de porque a participação nas alegrias ou prazeres dos outros não podem por si mesmos ter alguma importância fundamental para a ética como o sentimento de piedade ou compaixão. A demanda da razão é que a moralidade deve ser baseada apenas em sentimentos tais que sempre contenham um impulso para ações definidas e sendo generalizadas, possam dar nascimento a um princípio moral definido ou a princípios. Mas prazer ou gozo são o fim da ação; nele alcança-se o propósito da atividade e a participação no prazer dos outros também como experiência de seu próprio prazer não contém nenhum impulso e nenhum fundamento para ações posteriores. A piedade, ao contrário, nos impele diretamente a agir de maneira a ajudar um companheiro e salvá-lo do sofrimento. A ação pode ser puramente íntima – assim a piedade para com meu inimigo pode prevenir-me de insultá-lo – mas em qualquer caso é uma ação e não um estado passivo como gozo ou prazer. Claro, eu posso encontrar satisfação íntima no fato de não ter machucado meu próximo,  mas isso só pode acontecer depois do ato da vontade ter tomado lugar. Similarmente, no caso de prestar ajuda a um companheiro que está na dor ou necessidade, o prazer ou alegria que resultam disto, tanto para ele quanto para quem o ajudou, é apenas a consequência final e a culminação de um ato altruísta, e não sua fonte ou seu fundamento. Se eu vejo ou escuto que alguém está sofrendo, uma das duas coisas acontecem. Ou que o sofrimento de alguém me convoca a sentir também certo grau de dor e à experiência da piedade – naquele caso que o sentimento é uma razão direta e suficiente para que eu preste ajuda ativa. Ou, se o sofrimento de alguém não desperta piedade em mim ou se ela não se desenvolve suficientemente para incitar-me ao ato, a ideia de prazer que sucederia de minha ação seria obviamente ainda menos atrativa para fazer algo. É claro que um pensamento abstrato e condicionado a um estado mental futuro não pode possivelmente ter mais efeito do que a contemplação imediata ou representação concreta de um estado físico atual e mental que chame por uma ação direta. Logo o verdadeiro fundamento ou causa produtora (causa efficiens) de toda ação altruísta é a percepção ou ideia do sofrimento de outra pessoa como ele existe em ato no momento, e não o pensamento de prazer que pode nascer no futuro como resultado de um ato benevolente. Claro se uma pessoa decide sem o auxílio da piedade ajudar um companheiro em aflição, ele pode, se tiver tempo para tal, imaginar – especialmente com base em uma experiência rememorada do passado – a alegria que ele logo dará a si e aquela outra pessoa. Mas tomar este pensamento concomitante e acidental como o verdadeiro motivo da ação é contrário tanto à lógica quanto à experiência psicológica.
Por um lado, então, a participação na alegria e prazer atuais dos outros não podem da natureza do caso conter ou um estímulo para a ação ou uma regra de conduta, pois nestes casos a satisfação já é atingida. Por outro lado, a representação condicional de um prazer futuro que se supõe seguir da remoção do sofrimento, pode ser apenas uma adição secundária e indireta para o sentimento atual de compaixão ou piedade que nos move para fazer o bem ativo. Consequentemente, é este sentimento apenas que deve ser pronunciado a ser o verdadeiro fundamento da conduta altruísta.
Aqueles que se  apiedam dos sofrimentos dos outros participarão com certeza em seus gozos e prazeres quando mais tarde esses estiverem sãos e salvos. Mas esta consequência moral da relação moral com os outros não pode ser considerada como a base da moralidade, a qual diz que apenas é verdadeiramente bom quem é bom em si mesmo e consequentemente sempre preserva seu bom caráter, nunca tornando-se mal. Logo, a moralidade (ou o bem) em qualquer esfera dada de relações pode ser baseada apenas nos dados de que uma regra geral  e absoluta de conduta que possa ser deduzida. Tal precisamente é a natureza da piedade para com nossos companheiros. Sentir piedade de todos os que sofrem é sempre e incondicionalmente  bom; é uma regra não que requer nenhuma reserva. Mas participar nas alegrias e prazeres dos outros pode ser aprovada condicionalmente apenas e mesmo quando é louvável e assim ela não contém, como vimos, nenhuma regra de  conduta.



IV
O fato inquestionável e familiar que um ser individual distinto pode transcender em sentimentos os limites de sua individualidade, e responder dolorosamente ao sofrimento dos outros, sentindo como se fosse sua própria dor, pode aparecer a algumas mentes misterioso e enigmático. Foi reconhecido como o filósofo que encontrou na compaixão o único fundamento da moralidade.
“Como é possível”, ele pergunta, “que o sofrimento que não é meu deva tornar-se um motivo imediato de minha ação no mesmo sentido como se fosse meu próprio sofrimento?” “Isto pressupõe”, ele prossegue, “que eu tenho certa identificação com o outro, e que a barreira entre o eu e o não-eu seja no momento removida. É então apenas que a posição do outro, seu querer, sua necessidade, seu sofrimento, imediatamente se torna meu. Eu não o vejo mais como me é dado na percepção empírica – como algo estranho e indiferente a mim, como algo absolutamente  separado de mim. Pelo contrário, na compaixão sou Eu quem sofre nele, apesar de sua pele não cobrir meus nervos. Apenas através de tal identificação pode seu sofrimento , sua necessidade, tornar-se um motivo para mim em um modo que ordinariamente se torne meu próprio sofrimento. Este é o fenômeno mais misterioso – é um mistério real da  Ética, pois é alguma coisa para qual a razão não pode dar conta diretamente e cujos fundamentos não podem ser descobertos empiricamente. E ainda é de ocorrência diária. Cada um sente em si mesmo e o vê em outras pessoas. Acontece todos os dias diante de nossos olhos em pequena escala em casos individuais cada vez que um homem, movido por um impulso imediato, sem qualquer reflexão posterior, ajude outro e o defenda, algumas vezes arriscando sua própria vida e pela salvação da pessoa que acabou de ver, não pensando em nada senão na aflição evidente e nas necessidade daquela pessoa. Acontece em larga escala quando toda uma nação sacrifica seu sangue e sua propriedade para defesa e libertação do outra nação, geralmente oprimida. Pois tais ações merecem uma aprovação moral incondicional, e é necessário que consideremos que um ato misterioso e de compaixão ou uma identificação interna de alguém com outro possa não ter segundas intenções.
Esta discussão do caráter misterioso da compaixão é distinguido pela eloquência literária  mais do que pela verdade filosófica. O mistério não é fundamentado no fato mesmo, mas numa descrição falsa, que exagera sobre os termos extremos da relação, e deixa os elos que os conecta inteiramente fora de consideração. Nesta esfera Schopenhauer abusou do método retórico de contraste e antítese quase tanto o fez Victor Hugo. A questão é descrita em tal sentido como se fosse dado um ser absolutamente separado de outro que de repente se identificasse totalmente com o outro por meio do sentimento de compaixão. Isto seria, de fato, o supremo dos mistérios. Mas em verdade, nem a absoluta separação nem a identificação imediata existem de todo. Para entender qualquer relação, devemos em primeiro lugar tomar o exemplo disto mais fácil e elementar. Considere o instinto maternal dos animais. Quando uma cadela defende seus filhotes ou sofre ao perdê-los, de onde vem  todo o mistério de  que fala Schopenhauer? São estes filhotes algo de “estranho” e “indiferente” às suas mães? Entre ela e eles houve, em primeiro lugar, uma conexão física e orgânica, clara e óbvia para a observação mais simples e independente de toda metafísica. Estas criaturas foram uma vez parte de seu próprio corpo, os nervos dela e os seus foram cobertos pela mesma pele, o início da existência deles envolveu uma mudança no organismo dela, dolorosamente refletida em suas sensações. Com o nascimento, esta conexão orgânica é enfraquecida, torna-se perdida, podemos dizer, mas ela não é completamente abandonada ou substituída por uma “separação absoluta”. Logo a participação de uma mãe no sofrimento de suas crianças é um fato tão natural quanto a dor que sentimos ao cortar um dedo ou a deslocar uma perna. Neste sentido, claro, isto é mesmo bem misterioso – mas não misterioso como o filósofo da compaixão considera ser. Pois bem, todas as manifestações complexas de piedade possuem um fundamento semelhante. Tudo o que existe, e em particular, todos os seres vivos estão conectados pelo fato de serem co-presentes ao mesmo mundo, e pela unidade de sua origem; tudo deriva de uma mesma mãe –a natureza, da qual somos uma parte; em lugar nenhum encontramos a “separação absoluta” da qual fala Schopenhauer. A conexão natural orgânica de todos os seres como parte de um todo é dada na experiência, e não é meramente uma ideia especulativa. Por isso a expressão psicológica daquela conexão –  a participação inerente do ser no sofrimento do outro, por compaixão ou piedade – pode ser entendida mesmo do ponto de vista  empírico como expressão de uma solidariedade natural e óbvia a tudo o que existe. Esta participação do ser em outro é mantida com o plano geral do universo, e está em harmonia com a razão ou com o perfeitamente racional. O que é sem sentido ou irracional é o estranhamento mútuo dos seres, sua subjetividade separada, isto é contraditório à sua unidade subjetiva. É seu egoísmo inerente e não sua simpatia entre as partes distintas da natureza o que é realmente misterioso e enigmático. A razão não pode dar conta disso, e o fundamento não é dado empiricamente.
A separação absoluta é meramente afirmada, mas não estabelecida pelo egoísmo; nada faz nem pode existir de fato. Por outro lado, a conexão mútua entre os seres que encontra sua expressão psicológica na simpatia ou piedade é certamente não a natureza da identificação imediata como Schopenhauer afirma ser.  Quando eu estou triste pelo meu amigo que tem uma dor de cabeça o sentimento de simpatia não é uma regra que se segue da dor de cabeça. Mesmo meu ser identificado com ele nossos estados permanecem distintos, eu distingo claramente a minha cabeça, que não tem dor, da dele, que possui. Também, no que sei, nunca aconteceu que um homem compassivo, que salta para a água para salvar outro do afogamento, deva tomar o outro como ele mesmo ou ele mesmo como o outro. Até mesmo uma galinha – uma criatura mais conhecida por seu instinto maternal do que por sua inteligência – entende claramente a distinção entre ela mesma e seus pintinhos, e, logo, se comporta com relação a eles de certa forma, que seria impossível se em sua compaixão maternal ‘a barreira entre o eu e o não eu fossem removidas’. Se este fosse o caso, a galinha poderia se confundir com seus pintinhos, e quando faminta, poderia atribuir essa mesma sensação aos seus pintinhos, e começar a alimentá-los, mesmo estando eles satisfeitos e ela faminta; ou, em outra vez, ela poderia alimentar a si mesma às expensas deles. Em verdade, em todos os casos reais de piedade, as barreiras entre o ser que se apieda e aqueles de quem tem pena não são removidos de todo; eles simplesmente provam não ser tão absolutos e impermeáveis como a reflexão abstrata dos filósofos escolásticos mostrariam.
Remover as barreiras entre o eu e o não eu ou a identificação imediata é meramente uma figura de linguagem e não expressão de um fato real. Como a vibração das cordas que soam em uníssono, assim os laços de compaixão entre os seres viventes não é simplesmente identidade, mas harmonia de similares. Deste ponto de vista, também, o fato moral fundamental da piedade ou compaixão corresponde completamente à natureza real das coisas ou ao significado do universo. Pois a unidade indissolúvel do mundo não é meramente uma unidade vazia, mas abraça todo o conjunto de variações determinadas.

V) 
Como convém a um princípio moral último, o sentimento de piedade não tem limites externos para sua aplicação. Começando com a esfera estreita do amor maternal, fortemente desenvolvido mesmo nos animais superiores, pode, no caso do homem, como que gradualmente tornar-se mais amplo, passar da família para o clã e a tribo, para  a comunidade civil, a nação inteira, para toda  a humanidade, e finalmente abraçar a todos os viventes. Nos casos individuais, quando confrontado com a dor atual ou a necessidade, nós podemos ativamente nos apiedar não apenas a todo homem – apesar de pertencerem a diferentes raças e religiões – mas a todo animal; isto está além da disputa e é, de fato, quase usual. Menos comum é tal sentimento de compaixão que sem qualquer razão óbvia, uma vez abraça um sentimento agudo de piedade toda a multidão de seres no universo. É difícil suspeitar da retórica universal ou do patos exagerado da seguinte descrição da piedade universal como um estado mental real –muito ao contrário do assim chamado ‘mundo da dor’ (Weltschmerz). “E eu pergunto o que é um coração compassivo? E eu respondi: o fulgor no coração do homem por toda a criação, pelos homens, pelos pássaros, pelos animais, pelos demônios, e por criaturas de todos os tipos. Quando ele pensa neles e os olha, seus olhos se enchem de lágrimas. Grande e aguda piedade o possui e seu coração é torcido pelo sofrimento, e ele não pode suportar ou ouvir ou ver qualquer dano ou sofrimento suportado por qualquer criatura. E por isso ele roga a toda hora com lágrimas mesmo pelas bestas estúpidas, e pelos inimigos da verdade e aqueles que cometem erro, a fim de que Deus possa preservá-los e ter misericórdia por eles; e por todo tipo de ser rastejante ele roga com grande piedade que sobe em seu coração para além de toda medida que assim ele se torna semelhante a Deus”. (Isaac, O Sírio. Orações Ascéticas, Edição Russa, pag. 299).
Nesta descrição do motivo altruísta fundamental em sua forma suprema nós encontramos nem “a identificação imediata” nem a remoção de barreiras entre o eu e o não eu. Isto difere da descrição de Schopenhauer, do mesmo modo que difere a verdade vivente da eloquência literária. Estas palavras dos escritores cristãos também provam que não é necessário, como Schopenhauer erradamente pensou, retornar ao drama indiano ou budista de modo a aprender a oração “possam todos os que vivem ser livres do sofrimento”.

VI)  

A consciência universal da humanidade decididamente pronuncia ser a piedade uma coisa boa. Uma pessoa que manifesta esse sentimento é chamada boa; quanto mais profundamente ela sente e quanto mais a compaixão age sobre ela, mais ela é considerada boa. Um homem sem piedade mais do que qualquer outro é chamado de perverso. Disso não se infere, porém, que toda a moralidade ou essência de todo bem possa ser reduzido, como ocorre frequentemente, à compaixão ou um "sentimento de simpatia".

"Compaixão sem limites por todos os seres viventes", observa Schopenhauer, "é a garantia mais certa da conduta moral e não requer nenhuma casuística. O homem que é cheio deste sentimento certamente não irá ferir ninguém, não causar sofrimento a qualquer um; todas as suas ações terá a certeza de ter o selo da verdade e da misericórdia. Deixar qualquer um dizer, 'Este homem é virtuoso, mas ele não conhece a compaixão', ou 'Ele é um homem injusto e perverso, mas ele é muito compassivo', e a contradição aparecerá de cara". (Die beiden Grundprobleme der Ethik , 2nd ed., p. 23). Estas palavras são apenas verdadeiras com reservas consideráveis. Não há dúvida que piedade ou compaixão seja uma base real da moralidade, mas o erro óbvio de Schopenhauer está em reconhecer tal sentimento como a única fundação de toda moralidade.

Em verdade ele é apenas um dos princípios últimos da moralidade e tem uma esfera definida de aplicação, a saber, ele determina nossa relação legítima com os outros seres no mundo. Piedade é a única fundamentação verdadeira para o altruísmo, mas altruísmo e moralidade não são idênticos: o primeiro é apenas uma parte do último. É verdade que "compaixão sem limites por todos os seres viventes é a garantia mais certa da conduta moral" não da ação moral em geral, como Schopenhauer erradamente afirma, mas da ação moral em relação a outros seres que são objeto de compaixão. Esta relação porém, importante como é, não exaure o todo da moralidade. Além da relação com seus companheiros, o homem também estabelece certa relação com sua natureza material e com os mais altos princípios de toda a existência, e estas relações também exigem ser moralmente determinadas para que o bem nelas possa ser distinguido do mal. Um homem que é cheio de piedade certamente não causará prejuízo ou sofrimento a quem quer que seja - isto é, ele não prejudicará quem quer que seja, mas ele pode muito bem se prejudicar entregando-se a paixões carnais que rebaixam sua dignidade humana. Alguém com o coração muito compassivo pode estar inclinado a libertinagem e a outros vícios baixos que, embora não se oponham à compaixão, se opõem à moralidade - e este fato basta para mostrar que ambos os conceitos não coincidem necessariamente. Schopenhauer acertadamente insiste que não se pode dizer, "Este homem é malicioso e injusto, mas é muito compassivo", curiosamente porém, ele esquece que pode-se dizer e com frequência se diz "este homem sensual e dissoluto - um perdulário, uma glutão e um bêbado - é também um homem de grande coração"; é igualmente familiar a frase, "ainda que viva uma vida ascética exemplar, ele é sem piedade para com seus próximos". Isto significa que, de um lado, a virtude da abstinência é possível pondo-se de lado a piedade, e de outro que, apesar de serem sentimentos simpaticamente desenvolvidos, piedade e benevolência conseguem excluir a possibilidade de ações más no sentido estrito do termo, isto é, ações cruéis que diretamente magoem aos outros, mas não conseguem por qualquer meio nos prevenir de atitudes vergonhosas. E tais ações não são moralmente indiferentes de um ponto de vista altruísta. Um tipo bêbado e perdulário pode ser contrito com outras pessoas e nunca desejar magoá-las, ainda que por este vício ele certamente prejudique não apenas a si mesmo com à sua família, que ele pode inclusive finalmente arruinar sem a intenção de lhes fazer mal. Se então a piedade não nos previne de tais condutas, nossa disposição interior deve ser fundada sob outro aspecto de nossa natureza moral, a saber, sob o sentimento de vergonha. As regras do asceticismo brotam deste sentimento (o de vergonha) no mesmo sentido que as regras do altruísmo se desenvolvem a partir do sentimento de piedade.

VII)
A verdadeira essência da piedade ou compaixão é certamente não a identificação imediata de alguém com outra pessoa, mas o reconhecimento da dignidade inerente daquele outro - o reconhecimento de seu direito à existência e ao seu possível bem estar. Quanto eu me apiedo de outro homem ou de um animal, eu não me confundo com ele ou o tomo por mim mesmo ou eu mesmo por ele. Eu simplesmente vejo nele uma criatura similar a mim, com uma consciência como a minha, e desejando, como eu, viver e aproveitar as coisas boas da vida. Ao admitir meu interesse próprio na realização de tal desejo, eu o admito com relação aos outros; sendo dolorosamente consciente de toda violação deste direito em relação a mim, de todo prejuízo com relação a mim mesmo, eu respondo desta maneira à violação dos direitos dos outros, aos prejuízos cometidos contra outrem. Apiedando-me de mim mesmo, eu me apiedo dos outros. Quando eu vejo uma criatura sofrendo eu não me identifico ou me confundo com ela, eu simplesmente me imagino em seu lugar e, admitindo sua semelhança a mim mesmo comparo seu estado ao meu próprio e como na frase "ponho-me em seu lugar". Esta equalização (mas não identificação) entre eu e o outro que imediatamente e inconscientemente substitui o sentimento de piedade, é levantada pela razão ao nível de uma ideia clara e distinta.

O conteúdo intelectual (a ideia) de piedade ou compaixão, tomada em sua universalidade, independentemente dos estados subjetivos mentais em que ela é manifestada - isto é, considerada logicamente e não psicologicamente, - é verdadeira e justa. É verdadeiro que outras criaturas são similares a mim, e é justo que eu deva sentir por elas o que eu sinto por mim mesmo. Esta posição, clara em si mesma, torna-se mais clara quando testada negativamente. Quando eu sou sem piedade ou indiferente aos outros, considero-me livre para prejudicá-los e não penso que é meu dever ajudá-los, eles aparecem para mim o que realmente são. Um ser aparece meramente como coisa, algo vivo aparece como morto, algo animado como inanimado, algo familiar como estrangeiro, algo semelhante a mim como se fosse completamente diferente. Quando um objeto é levado a não ser o que é, caímos numa negação direta da verdade; e as ações que seguem disso serão injustas. Logo as ações opostas que se expressam intrinsecamente pelo sentimento de simpatia, piedade ou compaixão serão justas. Medir as pessoas por diferentes pesos é reconhecido por todos um exemplo simples de injustiça; mas quando eu sou impiedoso com os outros, isto é, os trato como coisas sem alma e sem direitos, e me afirmo como um ser consciente plenamente possuidor de direitos, eu evidentemente as meço com diferentes medidas e cruelmente contradigo a verdade e a justiça. Pelo contrário, quando eu me apiedo dos outros como se fosse eu mesmo , eu os meço com uma medida e consequentemente ajo de acordo com a verdade e a justiça.

Na medida em que é um caráter constante e um princípio prático, impiedade é chamada de egoísmo. Em sua forma pura e não misturada não existe egoísmo consistente, pelo menos não entre humanos. Mas, de modo a entender a natureza geral do egoísmo enquanto tal, é necessário caracterizá-lo como um princípio puro e incondicional. Sua essência consiste nisso: uma oposição absoluta, um abismo intransponível é fixado entre o eu e  os outro seres. Eu sou tudo para mim e devo ser tudo para os outros, mas os outros são nada neles mesmos e se tornam algo apenas na medida em que me interessam. Minha vida e meu bem estar são um fim em si mesmos, a vida e o bem estar dos outros são apenas um meio para os meus fins, o meio ambiente necessário para a minha auto afirmação. Eu sou o centro e o mundo apenas uma circunferência. Tal ponto de vista é raramente apresentado, mas com alguma reserva é sem dúvida o que permanece na base de nossa vida natural. Egoístas absolutos não são encontrados na terra: seres humanos parecem sentir piedade pelo menos alguma vez na vida, cada ser humano vê uma criatura-companheiro pelo menos como uma pessoa. O egoísmo se manifesta mais claramente em esferas mais amplas do que em limites restritos - muito estreitos . Uma pessoa não toma atitudes egoístas com relação à sua própria família, isto é, ela inclui a sua família dentro de seu próprio eu, e se opõe sem piedade a tudo o que for externo ao seu eu ampliado. Uma pessoa que estende seu eu - quase superficialmente como uma regra - para incluir toda sua nação, adota o ponto de vista egoísta, com maior ardor, ao mesmo tempo para si e para toda sua nação, com relação a outras nações e raças, etc. O fato de um círculo de solidariedade inerente ser ampliado e o egoísmo ser transferido do individual para a família, a nação, e o estado é inquestionavelmente de maior significância para a vida da humanidade, pois ao determinado círculo ao menos o egoísmo está restringido, compensado ou mesmo completamente substituído pelas relações humanas e morais. Mas isto não destrói o princípio do egoísmo na humanidade, que consiste na absoluta oposição interior de si e do que lhe é próprio para o que lhe é diferente - fixando-lhes um abismo. Este princípio é essencialmente falso, pois na realidade não há, e não pode haver, qualquer abismo, qualquer oposição absoluta. É claro que exclusividade, egoísmo, falta de piedade é essencialmente a mesma coisa que inverdade. Egoísmo é em primeiro lugar fantástico e irreal, afirma o que pode ou não existir. Considerar-se  a si mesmo (tanto no sentido restrito, quanto no amplo) como o centro exclusivo do universo é no fundo tão absurdo quanto acreditar-se ser um assento de vidro ou a constelação da Ursa Maior.

Se, então, o egoísmo é condenado com razão como uma afirmação sem sentido do que é não existente e impossível, o seu princípio oposto, o altruísmo, é psicologicamente baseado no sentimento de piedade, é inteiramente justificado tanto pela razão quanto pela consciência. Em virtude deste princípio, a pessoa individual admite que outros seres são, assim como ele, centros relativos do ser e de força viva. Esta é uma afirmação da verdade, uma admissão do que verdadeiramente é. Esta verdade, mediante a qual o sentimento de piedade é despertado por outros seres semelhantes e iguais a nós, testemunha-se internamente em cada alma e por ela a razão deduz um princípio ou uma lei em relação a todos os outros  seres: Faça aos outros o que eles deveriam fazer com você. 

VIII)
A regra geral ou princípio do altruísmo naturalmente cai em dois princípios mais particulares. O início desta divisão pode já ser visto no sentimento altruísta fundamental da piedade. Se eu estou genuinamente me lamentando por uma pessoa, em primeiro lugar eu não lhe causarei prejuízo ou sofrimento, eu não lhe farei mal, e em segundo lugar, quando, independente de mim, ele sofre dor ou mal, eu me prontificarei a ajudá-lo. Disso segue duas regras  do altruísmo, uma negativa e uma positiva: 1) Não faça aos demais o que não gostaria que lhe fizessem; 2) Faça aos outros o que gostaria que lhe fizessem. De forma mais breve e simples, estas duas regras, que são usualmente postas juntas, são expressas da forma seguinte: Não prejudique a quem quer que seja, e ajude a todos na medida de suas capacidades.

A primeira regra, a negativa, é mais particularmente chamada de regra da justiça e a segunda a regra da misericórdia. Mas estas distinção não é lá muito correta, pois a segunda regra é também fundada sob a justiça: se eu quero que os outros me ajudem quando em necessidade, é justo que eu também os ajude. Por outro lado, se eu não desejo prejudicar quem quer que seja, é porque eu reconheço os outros como seres viventes e sencientes como eu; e neste caso, tanto quanto posso, salvo-os do sofrimento. Eu não os prejudico porque me apiedo deles, e como me apiedo, eu também irei ajudá-los. Misericórdia pressupõe justiça e justiça exige misericórdia - eles são meramente aspectos distintos ou distintas manifestações de uma única e mesma coisa. [ii]   

Há uma distinção real entre estes dois lados ou graus de altruísmo, mas não há, nem pode haver, qualquer oposição ou contradição. Não ajudar os outros significa prejudicá-los; um homem consistentemente justo fará obras de misericórdia, e um homem verdadeiramente misericordioso não pode ser injusto. O fato que as duas regras altruístas, a despeito de toda diferença entre elas, sejam inseparáveis, é muito importante como fornecendo a base para a conexão interna entre a justiça legal e a moralidade, e entre a vida política e a vida espiritual da comunidade.

A regra geral do altruísmo -"faça aos demais o que eles deveriam fazer com você" - não pressupõe uma igualdade material ou qualitativa de todos os indivíduos. Não existe tal igualdade na natureza, e seria insano exigi-la. Não é uma questão de igualdade, mas simplesmente de direito igual a existir e desenvolver as boas potencialidades de sua natureza. Um homem selvagem do mato tem tanto direito a existir e se desenvolver quanto São Francisco de Assis e Goethe tiveram. E nós devemos respeitar esse direito igualmente em todos os casos. O assassino de um selvagem é tão pecador quanto o assassino de um gênio ou de um santo. Mas isso não implica que eles sejam de igual valor em outros aspectos, ainda que devam ser tratados de igual forma quando se tem como escopo os direitos humanos universais. Igualdade material e logo igualdade de direitos não existe entre diferentes seres ou em um único e mesmo ser cujos direitos particulares e deveres mudam quando se muda de idade e posição; eles não são os mesmos nas crianças e nos adultos, nos doentes mentais e nos saudáveis. E ainda que os direitos humanos fundamentais ou universais de uma pessoa e seu valor moral como indivíduo permaneçam o mesmo. Nem é anulado pela infinita variedade e desigualdade entre pessoas, tribos e classes sociais. Em todas estas diferenças deve ser preservado alguma coisa idêntica e absoluta, a saber, a significância de cada pessoa ser um fim em si mesma, isto quer dizer, sua significância como alguma coisa que não pode ser meramente um meio para o fim dos outros.

As demandas lógicas do altruísmo são todas abrangentes, e a razão não mostra nenhum favor, nem conhece qualquer barreira; neste respeito ela coincide com o sentimento sob o qual o altruísmo é psicologicamente fundado. Piedade é, como vimos, também universal e imparcial, e por ela um homem pode ser 'feito semelhante a Deus'; pois sua compaixão igualmente abarca a todos, sem distinção - os bons e os 'inimigos da verdade', homens e demônios, e mesmo 'todo tipo de ser rastejante'. 


[i] Tal como na doutrina do Budismo ou na “filosofia da Vontade” de Schopenhauer.
[ii] Em hebreu sedeq significa 'justo', e o nome derivado dele, sedaqa, significa 'benevolência'. 


terça-feira, 30 de outubro de 2012

A Agonia da Igreja

Os textos que irei postar hoje e nos próximos dias, são do sérvio Nikolai Velimirovic.
Eu tive de traduzi-los do inglês, pois meu conhecimento parco de sérvio não permite algo melhor.
O texto "A Agonia da Igreja" é de 1917. Vamos aqui traduzir o primeiro capítulo deste ensaio: "A sabedoria da Igreja Sophia". A edição que uso é Short Works of Nikolai Velimirovic, Bibliobazar, 2008. O texto "A Agonia da Igreja" está nas páginas 33 a 94. Vou postar um texto que se encontra entre as páginas 33 a 53. Espero que esses textos possam abrir os leitores para a riqueza da Igreja Ortodoxa, que eu tanto amo e admiro, ainda que eu não seja ortodoxa. E possam fazê-los conhecer também autores sérvios, autores intensos e cheios de energia espiritual.

A Agonia da Igreja

Prólogo:
A Igreja do Oriente, a Igreja dos Apóstolos e Mãe de todos nós, neste livro, fala às suas crianças de todas as terras e línguas e para nós, com uma autoridade, sabedoria e ternura toda própria. O autor e os editores estão prestando um serviço do melhor tipo ao emiti-lo. Possam as bençãos de Deus repousar sobre ele.

Pensamentos Introdutórios:

Se a igreja oficial não teve qualquer mérito mas preservaram Cristo como o tesouro do mundo, ainda assim eles são justificados. Mesmo que ele só tenho repetido ao longo dos séculos passados "Senhor! Senhor!" ainda assim ele se colocam acima do mundo secular. Pois eles conhecem, pelo menos, quem o Senhor é, enquanto que o mundo não sabe.

Igrejas podem desaparecer, enquanto que a Igreja nunca irá. Pois as igrejas não são obra de Cristo, mas o é a Igreja. Ademais, se a Igreja desaparecesse como instituição, a essência da Igreja não poderia desaparecer. É como rios, mar e água: quando os rios desaparecem vão dar no mar, o mar permanece, e se o mar desaparecer no vapor, a água permanecerá.

Se Cristo sempre pretendeu formar a Igreja como uma instituição, Ele pretendeu formá-la não como um fim, mas como meio, como um barco que serve para levar seus ocupantes com segurança sobre o oceano tempestuoso da vida para o porto tranquilo do seu Reino.

Como o corpo no banho, assim a alma se despe na Igreja para ser lavada. E assim que saímos, escondemos nossa alma a fim de ocultá-la de olhos curiosos. Não é ilógico que ousemos mostrar nossas imperfeições ao Mais Perfeito, enquanto nós estamos envergonhados de mostrar àqueles que são tão imperfeitos, feios e sujos como nós? A Igreja, como o banho, revela mais a impureza.

A ideia inicial e mais óbvia da Igreja é a de coletividade de pecado e salvação. Rezar sozinho e por si mesmo é como comer sozinho sem reconhecer a fome alheia.

Quando o sol vê um homem de ciência, de posses ou um político, ajoelhando-se para rezar com o pobre e humilde, ele vai sorrindo para seu repouso.

Plena de beleza e maravilha são todas as Igrejas Cristãs, mas não por causa de sua perfeição pretendida: elas são lindas e maravilhosas por causa dEle, de quem elas são sombra.

Você é um cristão? Então não tema entrar em qualquer Igreja Cristã com respeito reverencial. Todas as Igrejas juraram fidelidade ao mesmo Soberano. Como você pode respeitar um chalé em que habitou certa vez Sua Majestade o Rei Alfredo, ou Carlos, e não vai ao mesmo tempo para a edificação dedicada à Sua Majestade, o Invisível Rei dos Reis?

O real valor de qualquer comunidade Cristã não é para ser encontrado em sua própria posteridade mas em seu cuidado com as demais comunidades cristãs. Assim, por exemplo, o valor dos protestantes deve ser encontrado em seu amor cuidadoso para com a Igreja Católica Romana, e vice versa.

Considerando o padrão acima, nós verificamos que quase todas as Igrejas Cristãs são bastante sem valor em termos espirituais, isto é, em seu cuidado amoroso não usual. O valor atual é mais físico do que espiritual, sendo limitado o cuidado uns pelos outros. Exceções são refrescantes como oásis no deserto.

Igreja e estado são como fogo e água. Como uni-los? Se forem unidos o fogo sempre morrerá na presença da água.

Há três Idades na história da Igreja: a Idade de Ouro, quando a Igreja se opôs ao governo político; a Idade de Prata, quando ela estava dirigindo politicamente os reinos da Europa; a Idade da Pedra, quando ela tem sido subjugada pelos governos políticos. Que humilhação para as gerações presentes viver na Idade da Pedra da Cristandade!

Tentar unir Igreja e Estado é tentar unir o que Deus separou desde o início de nossa era.

Separar a Igreja do Estado não significa, como muitos pensam, separar a alma do corpo; significa separar dois espíritos quase opostos, nada aparentados e hostis um ao outro, como a Cruz e o Capitólio.

O verme do conforto e inércia humana reconciliou a Cristandade com o secular, os governos pagãos, e assim paralisou o mais divino movimento na História Humana. Vá ao fundo de todas essas defesas inteligentes da unidade da Igreja e do Estado, e você encontrará, como primeiro motor, o verme do conforto e da inércia humana.

Todas as Igrejas e Instituições Cristãs do tempo presente, ainda que possam ser maravilhosas, são apenas uma obscura profecia da dignidade cristã em Espírito e em Verdade. Por meio delas nós vemos o futuro como que por um espelho.

A cristandade não é nem monárquica, nem republicana. Ela não se importa com instituições mas com o espírito que vive nelas. A melhor instituição é aquela que é mais plena do espírito de Cristo. Deste ponto de vista uma autocracia pode ser melhor do que uma república, e vice versa.

A verdadeira Cristandade foi escondida de nós como o ferro e o carvão foram desconhecidos pelos homens da Idade da Pedra. Eles caminhavam sobre ferro e carvão, mas se serviam de pedra e madeira apenas. Assim nós estamos caminhando sobre e ao redor de Cristo, mas ainda usamos em nossa vida diária os deuses pagãos dos antigos.

Se existe uma nova época geológica, com um novo tipo de homem, ela será a época cristã. Todos os tipos existentes foram feitos pela revolução e influência da terra e água, ou do fogo e do ar. Agora apenas a Revolução Cristã - eu quero dizer literalmente e não alegoricamente - pode produzir um tipo mais elevado de animal humano.

Meu amigo, você está desgostoso com as Igrejas que existem, e você está ansioso para formar uma nova Igreja, ou seita, ou algum tipo de organização religiosa! Quão imaturo é você! As igrejas existentes são os mais belos vasos - alguns de ouro, outros de prata ou cerâmica - feitos por milhares de anos e gerações. Eu sei que sua insatisfação vem do vazio destes vasos e não por conta de sua feiura. Bem, então despeje o vinho divino neles e eles lhe agradarão como os vasos em Caná da Galileia agradaram o povo sedento ao redor da mesa. Nenhuma daquelas pessoas, estando com sede, pensou em fazer novos vasos com o vinho, mas em obter vinho o mais rapidamente possível para por nos vasos. Despejar o vinho nos vasos que já existem, este é de fato o milagre que necessitamos, meu caro resmungão!

As pessoas dizem: Leia a Bíblia! Eu quase digo: Não toque na Bíblia por cinco anos - leia outra coisa durante este período - e então leia-a novamente, e você verá sua real grandeza, poder e doçura!

As chagas de Cristo lavraram mais bençãos no mundo do que a saúde de todos os Césares Romanos.

A Eucaristia não significa uma memória apenas, mas também uma profecia. A profecia dela é, que a terra inteira se tornará o corpo de Cristo, a carne e sangue de Cristo, e assim que o que quer que nós comamos ou bebamos nós O comemos e bebemos.

Ele deve ser nosso alimento diário. Com respeito a toda nossa comida através de Cristo, não quero dizer que a natureza é nossa vítima, mas que também ela se sacrifica por nós, lembrando-nos o sacrifício de Cristo, e por meio dela nos chamando também ao sacrifício.

Você também precisa optar ou em ser orgulhoso ou pobre em espírito. O primeiro significará uma destruição barulhenta, o segundo uma tranquila construção.

Nela não há coisa sublime ou significativa no mundo inteiro da qual eu não pudesse encontrar uma representação em mim mesmo, e nenhuma na qual eu não esteja plenamente representado.

A beleza, glória e grandeza de um campo de trigo dourado consiste de uma associação de inumeráveis feixes de trigo, com sua beleza, grandeza e glória insignificantes. Se você já presenciou isso, então não repita para mim a velha história da beleza, grandeza e glória humana de um Pitágoras, César ou Napoleão.

Os povos mais poderosos e ricos , que nós somos acostumados a admirar e imitar, foram os mais dignos de pena para Cristo. Hoje, como sempre, as missões cristãs mais difíceis estão entre os ricos.

Nós nunca revelamos nosso real valor pelo uso de nossos direitos, mas pela nossa capacidade para o serviço e o sacrifício.

É mais fácil para um homem obter seus próprios direitos do que perder seu orgulho.

Sacrifício sem murmúrio faz de nossa vida tempestuosa um calmo dia santo. Nós encontramos todos os dias a conversa de pessoas que por um lado, relutam em se sacrificar e, por outro, ousam em se sacrificar. Desgosto e admiração são duas águas em que nosso coração pode ser banhar do nascer ao por do sol. Não há nada que excite mais o desgosto humano do que a audição: "Ele é incapaz de sacrifício". Quando esta sentença é dirigida para nós, sentimos como se tivéssemos perdido a batalha inteira de nossa vida.

Os sistemas metafísicos possuem maior valor para o progresso científico do que da humanidade. A partir de Hegel você pode construir uma nova ciência, mas a partir de São Paulo você pode construir uma nova vida social e um novo mundo político. Você já pensou que São Paulo é o maior profeta de um novo e desejável estadista?

Todos os impérios fundados a partir do Direito pereceram e devem perecer. O Futuro pertence ao Império de São Paulo, um Império fundado a partir do amor ao serviço.

É melhor em humildade pertencer à pior de todas as Igrejas do que orgulhosamente separar-se a si mesmo da melhor das Igrejas.

A origem aristocrática é tão inescrutável quanto a escuridão da noite passada. Um aristocrata poderoso de hoje pode ser do pior tipo de alma, e o mendigo à sua porta do tipo mais nobre. Mas respeito ambos igualmente, amando-os ambos que são da mesma origem real. Os mais nobres nomes aos seus filhos! Pela mesma razão respeito ovelhas, e árvores e pedras.

Os crucificadores de Cristo em nosso tempo são aqueles que pensam que o Evangelho de Cristo não pode ser considerado como a base para a política do mundo. Não foram as últimas palavras Dele: 'ide em todas as nações'? A última e suprema expressão da Cristandade estará nas relações de  nação para nação, como sua expressão de partida foram as relações de homem a homem.

O inter-individualismo foi a escola elementar da Cristandade. O inter-nacionalismo deve ser sua universidade.

A ética cristã, isto é, o serviço e sacrifício solícitos, é a mais nobre consequência da crença real em Deus. Nenhuma linha que possa atar nosso planeta com o centro do Universo é menor do que a que parte através de Cristo. É o caminho mais curto, como a linha reta é a distância mais curta entre dois pontos geométricos.

Escravidão significa serviço obrigatório; liberdade deve significar serviço solícito. Apenas um homem ou uma nação educados para o serviço solícito para com seus vizinhos é um homem ou uma nação livre. Todas as outras teorias da liberdade são ilusórias. Liberdade pedindo por direitos e não o serviço solícito significa uma querela sem fim coroando com a infelicidade todos os competidores. Nem a República de Péricles, nem a monarquia de Otávio foram estados de felicidade, mas o estado pan-humano de São Paulo, com uma simples Magna Carta do serviço solícito, será o Estado da Felicidade Universal.

Todo homem é um campo de batalha de muitos espíritos imundos, muito audaz na ausência de Cristo e muito tímido em Sua Presença. Ó quantos destes espíritos que encontrar uma habitação fácil em nós faria até mesmo os porcos se enraivecerem a ponto de se lançarem de um lugar íngreme direto ao mar!

A convicção de que a mentalidade de Maquiavel, Metternich, Bismarck e Beaconsfield pode ser tomada como a base da política, enquanto que a mentalidade de Cristo não poderia, é a convicção mesma de muitos teólogos. No entanto, Cristo sobrevive a todos estes políticos com um poder eterno, porque ele é o mais pato de todos eles.

Que filosofia obscura é esta que ensina que Moisés e Maomé tem algo a ver com política e Cristo não tem!

Carlyle e Emerson foram super ansiosos ao recomendar a todo grande homem a ser líder da humanidade mais do que Cristo. É o mesmo que dizer: Homens! Tomem velas e lâmpadas para iluminar seus caminhos na escuridão mas sejam cautelosos com o sol. Quão diferentes são Dostoievski e Tolstói.

Eu observei homens em oração e pensei: Eis anjos caídos! Eu olhei novamente para eles em querelas cheias de ódio e pensei: Eis demônios nascidos!

Animais são cruéis mas não vulgares. Tanto em crueldade quanto em vulgaridade o homem bate record. Se forçá-los a escolher entre um dos dois males, nós devemos preferir a crueldade em detrimento da vulgaridade.

Todos os nossos "hojes" são espoliados pelas reminiscências de ontem e as preocupações sobre amanhã. Assim nós estamos desindividualizando e esvaziando nossos "hojes" e degradando-os como um misto do encontro entre ontem e amanhã.

De um ponto de vista físico a maior coisa nesta vida é um mistério. De um ponto de vista moral a maior coisa é uma interpretação otimista dessa mistério. Não há otimismo razoável fora do cristianismo.

Ninguém pode ser um tirano a menos que sejamos escravos de alguns defeitos morais.

Nenhuma nação pode tiranizar contra outra a menos que sejamos tiranizados por nós mesmos com algumas ilusões.

Ninguém no mundo é livre a não ser aquele que se sente um cativo de Cristo. O maior campeão da liberdade na história humana chamou a si mesmo: "Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo".

Capítulo 1:
A sabedoria da Igreja Sofia.





O santuário mais magnífico da Igreja Oriental é chamado de St. Sofia (Hagia Sophia à Sagrada ou Santa Sabedoria), enquanto que os santuários mais magníficos da Igreja Ocidental são chamados São Pedro, São Paulo, São João, etc. Como qualquer cabelo em nossa cabeça, como também qualquer linha na palma de nossa mão possui um certo significado, assim também estas dedicações da Igreja possuem um certo significado. E este significado é típico da religião do Oriente e do Ocidente. A cristandade Ocidental cresceu sob o solo de um juvenil individualismo, e deu prioridade a isto ou à personalidade dos apóstolos, para quem dedicou seus melhores templos. A idosa Igreja do Oriente, cansada de ambições individualistas, cansada dos grandes homens, flagelada pelo fantasma da grandeza humana, era sedenta de alguma coisa maior e mais sólida do que a personalidade humana. Adoração de personalidades continua sendo a sabedoria deste mundo, o Oriente dá suas mãos a um ideal super-humano, à Sagrada Sabedoria. É um fato psicológico que os jovens vejam seus ideais na grandeza pessoal no progresso rumo à santidade. O Oriente perguntou por algo mais eterno do que Pedro, Paulo ou João. Existe a sabedoria e existe também a sagrada, santa sabedoria. A sabedoria filosófica ou pessoal existe desde os primórdios da humanidade, mas a Sagrada Sabedoria entrou no mundo com Jesus Cristo. Cristo foi a encarnação da sabedoria de Deus, de toda a Santa sabedoria. Esta sabedoria se estende acima de toda a sabedoria humana e a revigora e ilumina. A Sagrada Sabedoria inclui a sabedoria essencial de Pedro, Paulo, João e qualquer outro apóstolo ou profeta, ou qualquer outra coisa ou criatura, como o oceano inclui o mar de muitos rios. Em tempos escuros de dissensão, incerteza ou o sofrimento, a Igreja do Oriente não se fiou tanto nos grandes apóstolos, nem Pedro, ou Paulo, ou João mas olhou para além do tempo e espaço, para o Cristo Eterno, o Logos de Deus e rogou por Luz. E olhou para a eternidade desta Igreja em Constantinopla, Santa Sofia, que tudo envolve, que tudo reconcilia, como um símbolo santo. Tanto Pedro, ou Paulo, ou João , ou qualquer outro apóstolo, ou profeta, tornou-se o fundamento das querelas entre os crentes, mas foi na Santa Sabedoria que eles encontraram refúgio e se curaram de sua unilateralidade e inimizade.
Ainda que a Santa Sabedoria tenha apenas no Oriente um símbolo magnífico muito visível, a Santa Sabedoria não é nada menos do que o fundamento, substância e objetivo da Igreja Ocidental tanto quanto da Igreja Oriental, sim da única, santa Igreja Católica. Pois a Cristandade não foi destinada nem para o Leste apenas, nem para o Oeste, mas para todo o globo terrestre. E  o que significa o tão abusado termo “católico” se não a inclusão? Este é também o significado da Sabedoria Divina revelada na Cristandade desde seu início.
Eu tentarei mostrar essa sabedoria inclusiva da Igreja, revelada desde o início. Primeiramente com o Fundador da Igreja, em segundo lugar na organização da Igreja e em terceiro lugar na destinação da Igreja.

A sabedoria inclusiva do fundador da Igreja

Pelo seu nascimento Ele incluiu e reuniu todos, desde o mais baixo ao mais alto, o natural e o sobrenatural: estábulo, manjedoura, palha, ovelhas e pastores de um lado; estrelas, anjos, magia e uma origem real davídica de outro.
Em sua vida ele incluiu a austeridade dos monges da Índia, de João Batista e dos Nazarenos por um lado; e por outro, o banquete moderado de Confúcio, nas casas dos amigos, na festa matrimonial ou em outras ocasiões solenes.
Sua vida foi entrelaçada à vida de pessoas de todas as classes; homens, mulheres e crianças, judaístas e pagãos idólatras, o Rei Herodes e o pró cônsul Pilatos, sacerdotes e soldados, mercadores e mendigos, sofistas versados e tolos ignorantes, enfermos e sãos, justos e pecadores,  Judeus e Egípcios, Gregos e Romanos, e todos aqueles outros que podiam ser encontrados na Palestina, o lugar de todas as raças e credos.
Ele não foi de modo algum um homem partidário, como os fariseus e os doutores da Lei. Mas ele chamou tanto os fariseus quanto seus inimigos a segui-Lo. Ele foi ao templo para rezar, mas Ele rezou também sozinho no deserto. Ele guardou o Sábado, mas Ele também quebrou o Sábado ao curar um doente e fazer o bem neste santo dia. Ele não veio destruir a Lei, mas ele trouxe algo maior do que a Lei e ainda incluiu a Lei mesma, isto é, amor e misericórdia.
Ele censurou pessoas que costumavam rezar dizendo: “Senhor! Senhor!”. Ainda que Ele mesmo rezasse frequentemente. Ele censurou aqueles que ficavam jejuando, ainda que Ele mesmo jejuasse. O que Ele realmente olhava não era nem para a oração, nem para o jejum, mas o espírito em que se jejuava ou rezava.
Ele ordenou o povo a dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Ele não censurou esta ou aquela forma de governo, nem acentuou nem o Monarquismo, Republicanismo, ou Socialismo como formas preferíveis sobre outras. Sob Este esquema todas as formas de governo estão incluídas como igualmente boas ou más de acordo com o lugar que elas reservam para Deus, quais dons se dão regularmente a Deus e por qual espírito eles são inspirados.
Ele seguiu o costume de Sua nação, e não os quebrou ou se evadiu propositadamente. Ele tocou comida de acordo com a Lei, e foi à Cidade Santa e tomou parte na veneração do templo (“ainda que Ele fosse maior do que o templo!”), seguindo a Lei. Parece que Ele não excluiu nenhuma forma de veneração ou vida social, ainda que Ele desprezasse o espírito impuro e mesquinho com o qual os hipócritas ornavam estas formas. E quando Ele veio para a disputa, Ele, o Mensageiro de um novo espírito, naturalmente procurou salvar o espírito puro sem referência a qualquer forma do que uma forma ornada de espírito impuro. Finalmente ele se sentiu constrangido a dizer: “Não é o que entra na boca do homem que o torna impuro”, ou “comer com as mãos não lavadas não torna o homem impuro”, ou “Tu, quando Tu fores rezar, entra no teu quarto”, etc.
E assim também Ele abraçou todas as nacionalidades e raças. Nada daquilo que Deus criou era impuro para Ele, nada a não ser o espírito impuro. Quando o centurião romano pediu-lhe ajuda, Ele a deu prontamente. E quando o povo além das fronteiras israelitas, das costas de Tiro e Sidônia, creram nEle, Ele não deu ouvidos às advertências exclusivistas de Seus discípulos, mas distribui mesmo lá Sua divina misericórdia. Ele foi cuidadoso mesmo com as pessoas de Nínive. E quando Ele enviou Seus discípulos, Ele os enviou a “todas as nações”.
Finalmente ele incluiu o natural e o sobrenatural. Ele conversou com espíritos. Ele viu satã como o relâmpago caído do céu. Ele esteve entre Pedro, João e Tiago de um lado, e Moisés e Elias de outro. Todas as pessoas viram lírios no campo e aves no céu, mas Ele viu além, Ele viu como, Seu Pai vestia os lírios do campo e como Ele alimentava os pássaros. Ele uniu o natural e o sobrenatural em seus ensinamentos.
“Amai vossos amigos”, era o ensinamento natural. Mas Ele acrescentou: “e aqueles que vos odeiam e perseguem”, que era sobrenatural.
“Dai a quem vos dá”, era um ensinamento natural. Mas Ele acrescentou: “e aqueles que Vos amaldiçoam”, que era sobrenatural.
E Ele uniu o natural e o sobrenatural em sua morte. Ele sofreu e morreu em agonia. Ele ressuscitou da morte, desceu do Céu e ascendeu ao Céu. Por Ele houve tão poucos limites entre Céu e Terra, entre Natureza e SobreNatureza, como entre Israel e Canaã, ou entre homem e homem, ou forma e forma.
Sua sabedoria era inclusiva do início ao fim. O que Ele excluiu, salvo o espírito impuro? Seus discípulos eram tão exclusivistas como qualquer um costuma ser, ser exclusivista é julgar e agir de acordo com a sabedoria natural. Mas quando eles olharam para Ele, eles foram reconciliados. Era a Santa sabedoria, em que qualquer um podia encontrar uma morada para si mesmo, todo discípulo, toda nação, toda forma de veneração, tudo – salvo o espírito impuro.

A Sabedoria inclusiva na organização da Igreja
Veremos agora a Igreja Cristã nos primórdios de sua formação.
Jesus Cristo deu o maior esquema possível em que trabalhar e a maior fundação para construir. Não há outro nome na história sobre a qual qualquer coisa possa ser edificada senão Seu Nome. A Igreja Primitiva declarou isso e o realizou desde o início. Ela era inclusiva por princípio, inclusiva nos ensinamentos e na adoração.
aa)    Inclusiva nos Ensinamentos – Cristo foi posto no início da História do Mundo. Ele representou o que foi o melhor e mais elevado pensamento no Leste e Oeste. O sonho messiânico era a melhor e mais elevada das concepções judaicas. Bem, Jesus era o Messias.
A espera de um segundo Adão, a redenção do primeiro, o Adão pecador, era comum entre as pessoas da Palestina e da Mesopotâmia. Bem, Jesus foi o segundo Adão, o Redentor Esperado, o Mensageiro de Deus.
O Egito tinha uma intuição do mistério da Divindade como uma Trindade. Porém isso foi esboçado como a ideia de uma Trindade concebida como uma família de Pai, Mãe e Filho, ainda existente muito vividamente no Egito. E as pessoas esperavam a vinda apenas do Filho de Deus, a terceira pessoa da Trindade deles, não um ser imaginário como Hórus, mas o filho real de Osíris em carne e sangue que traria felicidade aos homens. Bem, Jesus de Nazareth era este Filho de Deus, e Ele como Cristo foi um compartilhador eterno da Divina Trindade.
A Índia foi o berço do ensinamento acerca da Encarnação. O Deus Supremo, Brahma, já encarnou em muitas pessoas desde os primórdios da História. Mas a maior Encarnação Dele ainda estava por vir. Bem, Jesus Cristo foi a maior encarnação de Brahma na forma humana.
Os cultivados politeístas não gostavam da ideia de uma monótona teologia de um Deus solitário. Eles preferiram uma Divina Associação no Olimpo. Bem, a Cristandade com seu ensinamento Trinitário representou para eles um limitado politeísmo. Deus não era fisicamente único, como no Judaísmo, nem muitos, como no Helenismo. Ele era uma Pluralidade Trinitária na Unidade. Ele não era um severo eremita, mas Ele tinha a riqueza de uma vida eterna.
Os intelectuais gregos e helenistas evoluíram para a ideia de Um Deus e do Logos, o Mediador entre Deus e o mundo, através do qual Deus criou tudo o que Ele criou, e que pode ser encarnado para a salvação dos caídos, a criação sofredora. Bem, Jesus Cristo poderia ser identificado em Sua Pessoa com esta maravilhosa doutrina do Neoplatonismo.
A região montanhosa  do Cáucaso e Ararat, unida ao mistério de Mithras, que nasceu da dualista religião de luz e trevas do Zoroastro, de Ormuzd e Ahriman. Bem, Cristo, o amigo da humanidade revelou-se como o Deus da Luz que luta contra Satan, o inimigo da humanidade.
Roma que politicamente regulava o mundo, estava a espera da vinda de um Rei Sagrado, por um Príncipe da Paz, que deveria vir do Leste e trazer ao povo alguma felicidade mais elevada e verdadeira, do que a quimera decepcionante da grandeza política. Bem, Cristo deveria ser este universal, Rei consagrado, este Príncipe da Paz, e Mensageiro de uma felicidade perpétua. Não é verdade que Cristo tivesse seus profetas apenas entre o povo de Israel. Seus profetas existiram de todas as raças, todas as religiões e filosofias da antiguidade. E esta é a razão pela qual o mundo inteiro pode clamar a Cristo, e como Ele pode ser pregado a todos e ser aceito por todos. Observai! Ele esteve na casa de todo mundo!
(b) Inclusão na Adoração – Em sua doutrina de inclusão, a Igreja primitiva era sabiamente inclusiva na adoração também. Seria sem sentido falar da adoração Cristã como de algo quase novo e surpreendente. Houve pouca inovação e foi muito pouco surpreendente, de fato, quase nada. A primeira Igreja encontrou adoradores no templo Judeu. Onde quer que os apóstolos quisessem pregar o novo Evangelho, eles iam a velhos lugares de oração, para os templos de Jeová. Seu espírito cristão não se revoltou contra as formas antigas de adoração.
Mais tarde, quando o Espírito Cristão foi despido ele precisou ser revestido, e assim se fez. Mas quando Israel olhou para a adoração cristã eles reconheceram muito – formas, sinais, vestimentas e administração – como se fossem as suas próprias. E não apenas Israel, mas mesmo o Egito, a Índia, a Babilônia e a Pérsia, a Grécia e Roma, sim, os pagãos do Norte e do Sul. Se a Natureza pudesse falar, ela poderia dizer o quanto a adoração Cristã lhe tomou emprestado.
Um estudante de história antiga uma vez perguntou-me: “Como eu posso reconhecer a religião Cristã como a melhor de todas, quando eu sei que ela pegou emprestado das religiões antigas formas de adoração? Quão pobre ela parece sem elas!”
Eu disse: “Apenas este poder maravilhoso de abraçar e assimilar tudo é que torna evidente a vitalidade e universalidade da Cristandade. É muito extenso em espírito ser vestido por uma nação e raça apenas. É muito rico em espírito e destinação ser expresso por uma língua, por um sinal, um símbolo, ou uma forma. No mesmo sentido em que a doutrina cristã foi preparada e profetizada por religiões e filósofos antes de Cristo, assim também a adoração e veneração cristã o foram Quando o espírito cristão é forte a Igreja não fica receosa da adoração ser estranha, e ampla, ou mesmo grotesca. Quanto mais fraco o espírito cristão, maior a exclusividade na oração. Algumas pessoas comentam: 'é errado usar a arquitetura pagã para a Igreja, e incenso, e fogo, a música, ou dança, ou curvar-se, ou ajoelhar-se, ou sinais e símbolos, pois isso tudo é pagão'." Sim, de fato tudo isso é pagão, mas é Cristão também se o quisermos. A língua latina era pagã, mas agora é também cristã. A língua inglesa era um instrumento do paganismo também, e agora é um instrumento da cristandade. O corpo humano era ele mesmo pagão também, mas o Cristo Eterno, a Santa Sabedoria de Deus, entrou nele e o encheu de um novo espírito, e ele deixou de ser pagão. Nós no Oriente algumas vezes usamos para nossas vestes sacerdotais seda chinesa feita por mãos pagãs na China, ou cálices e colheres e pequenos sinos e correntes feitos por muçulmanos, ou pedras preciosas colhidas e aromas preparados pelos adoradores do fogo ou pedra da África, e nenhum de nós deve ficar receoso de tocar o mais miserável dos corpos humanos ou almas com as mãos puras Dele. A Cristandade não pode ser contaminada se usa para sua adoração as obras de mãos pagãs, mas o povo pagão está por este meio tomando parte na adoração Cristã, fisicamente e inconscientemente, esperando pelo momento quando eles compartilharão espiritualmente e conscientemente também. Toda peça chinesa em nossas vestes é uma profecia da Grande China Cristã. Mas isso é conversa para o parágrafo seguinte. 


A sabedoria inclusiva na Destinação da Igreja

O judaísmo foi destinado apenas ao povo de Israel. A Igreja Cristã foi destinada ao Povo de Israel também, mas não apenas. Ela incluía também os Gregos .

O politeísmo grego do Olímpo foi destinado apenas à  raça helênica. A Igreja Cristã  foi destinada à raça helênica também, mas não apenas a eles. Ela incluía os indianos também.

A sabedoria de Buda foi oferecida aos monges e vegetarianos. A Igreja põe no seu colo os monges e vegetarianos, como também os casados e também o restante do povo.

Pitágoras fundou uma sociedade religiosa de aristocratas intelectuais. A Igreja Cristã desde o início incluiu a elite intelectual e a colocou ao lado do povo ignorante e iletrado.

O profeta da Pérsia, Zoroastro, recrutou soldados do deus da luz entre os melhores homens para lutar contra o deus da escuridão. Sua instituição religiosa foi como um quartel militar. A Igreja Cristã incluiu ao mesmo tempo tanto o melhor quanto o pior, o justo e o pecador, o são e o enfermo. Era um quartel e hospital ao mesmo tempo. Foi uma instituição tanto para a luta espiritual quanto para a cura espiritual.

O sábio chinês, Confúcio, pregou um maravilhoso pragmatismo ético, e o profundo pensador, Lao Tsé, pregou um espiritualismo que abraçava a todos. A sabedoria cristã incluiu ambos, abrindo o Céu para o primeiro e mostrando a dramática importância do mundo físico para o segundo. O Islã - sim, o Islã tinha em algum sentido uma ambição cristã: ganhar o mundo inteiro. A diferença era: o Islã desejava conquistar o mundo; a Igreja, a salvação do mundo. O Islã pretendeu subjugar todos os homens e conduzi-los a Deus como Seus servos: a Igreja pretendeu educar todos os homens, purificá-los e elevá-los, e conduzi-los a Deus como Suas criancinhas.

E todos os outros, os que adoram estrelas, fogo, madeira, água e pedra, e os que adoram animais tiveram uma tocante sensibilidade para perceber a imediata presença na Natureza. A Igreja veio não para extinguir esta sensibilidade mas para explicá-la e para subordiná-la; veio para colocar Deus no lugar dos demônios e a esperança no lugar do medo.

A Igreja veio não para destruir, mas para purificar, para ajudar e assimilar. A designação da Igreja nem foi nacional, nem racial, mas cósmica. Nenhum poder exclusivo a um grupo pode aspirar a um poder mundial. A falha final do Islã a se tornar um poder mundial repousa em seu exclusivismo. Tanto enquanto religião quanto como política. Toda política para uma ação exclusivista está fadada ao fracasso: veja os Alemães tanto quanto os Turcos e o Império Napoleônico. A política da Igreja foi designada pelo seu Divino Fundador: "Quem não está contra nós, é por nós". Bem, não há raça humana na Terra completamente contra Cristo e totalmente despreparada para acolhê-Lo. A sabedoria dos missionários cristãos deve perscrutar em primeiro lugar por quais caminhos a Providência preparou o solo para  a semente Cristã; ver quais os elementos cristãos uma raça, ou uma religião já possui e como pode-se utilizar tais elementos  e consolidá-los junto à Cristandade. Tudo o que possa permitir o florescimento da Cristandade, em vez de mecanicamente empurrá-la para baixo.

Em conclusão, permita-me repetir mais uma vez: a sabedoria da Igreja foi inclusiva. Inclusiva foi a sabedoria de seu Fundador, inclusiva a sabedoria de sua organização e de sua destinação. Exclusividade foi a doença e fraqueza da Igreja. Esta é a razão de porque nós do Oriente no tempo de doença da Igreja olharmos nem para Pedro, nem para João, nem para Paulo mas para a Sabedoria Divina, que tudo cura e tudo ilumina. Pois Santa Sofia em Constantinopla, o templo dedicado em Cristo Eterno, inclui já em si mesmo Pedro, João e Paulo; ademais, é até mesmo sustentado por alguns pilares do templo de Diana em Éfeso, e tem muitas outras coisas, no estilo ou nos materiais, que pertencem ao paganismo antigo. Na verdade, santa Sofia tem coração e aposento mesmo para o Islã. Os maometanos o elogiam como o melhor de seus santuários!

Eu vos falo assim porque estou certo de que não serei mal compreendido. E porque eu sei que vós, britânicos, são uma raça de espírito mundial, que eu ouso fazer este apelo a vós.

Olhai para a Santa Sabedoria! Olhai além de Pedro, Paulo e João - por meio deles e também além deles! Toda Igreja tem seu profeta, seu apóstolo, seu anjo. Olhai agora  para além de tudo isso, para o topo máximo da pirâmide, onde todas as linhas se encontram!

Ou toda a cristandade é uma só, ou não há cristandade. Ou a Igreja é universal, ou não há Igreja.

Era uma vez doze homens que viviam tão diferentes quanto doze homens podem ser. E a Santa Sabedoria os unificou em um corpo espiritual. Tal foi a primeira Igreja dos Doze, e tal deverá ser a última Igreja dos milhares de milhões: diferença em todas as suas partes, mas cimentada pela Santa Sabedoria em uma gloriosa edificação. Cristo, a Santa Sabedoria de Deus, incluiu todos nós, por que devemos nos excluir uns aos outros? Ele foi enviado pela salvação da China, do Japão e da Índia tanto quanto para Judeus e Gregos. Por favor, deixe-nos não mais querelar acerca da "circuncisão" enquanto milhares de milhões de seres humanos estão ainda esperando ouvir pela primeira vez o nome de Jesus Cristo - sim, pela primeira vez após dois mil anos! Deixe o tempo Presente ser para nós o Novo Pentecoste!Eu vos falo, britânicos: não fiqueis olhando parado ao redor esperando: a iniciativa é vossa. Todas as pessoas da Terra estão olhando para Vós e vos ouvindo. Não sejais tímidos para começar!

Para começar o quê? Para iniciar uma renovação da sabedoria primitiva da Igreja, isto é, para confessar e declarar:
A Cristandade em sua integridade é única e indivisível
Que a Cristandade não é uma pedra preciosa preservada numa caixa chamada Igreja da Inglaterra, ou Igreja do Oriente, ou Igreja de Roma, mas que é o bem comum de toda a humanidade, destinada a todos os continentes e todas as raças;
Que não há constituinte da presente civilização européia, mas a Religião Cristã, que pode deter a guerra brutal entre os homens e de uma forma ou outra garantir uma paz divina  em proveito de toda a humanidade.
Todos nós, nações grandes ou pequenas, estão agora olhando para vós com respeito, não apenas pela vitória sobre o anacrônico renascimento do paganismo na Europa Central, mas também pela reformulação de um novo ideal, que poupará a todos os homens.
Grande é nossa expectativa, de fato, mas ela é justificada pelos vossos dons, que vos foi dado pela Providência. Assim, deixai vosso coração ser maior que Vosso Império e Vossa Igreja Nacional, e o respeito da humanidade com relação a Vós será vencido pelo amor. Seguramente não pode haver Império maior do que o vosso, humanamente  falando. O único império maior do que o Vosso será o Império de Cristo. E se vós estais à espera de algo maior do que vossa posse presente , Vós de fato estais à espera de um Império universal, o Império pan-humano de Cristo. Se não for isto, caireis na frustração ou por uma estagnação ou por algo impossível. Ambos os caminhos seriam tolices: a natureza não tolera a estagnação e pune os experimentos com o impossível.
Mas quem sou eu para vos ensinar qualquer coisa? "Um caniço (do deserto) agitado pelo vento?" Não eu, mas o desespero de nosso mundo presente vos fala. Eu sou apenas um clamor entre tantos outros prantos sufocados de Leste a Oeste, Norte e Sul, que vos é dirigido: erguei alto os vossos corações e ouvi! Uma coisa apenas é certa, que esta coisa maior não virá nem do Ministério das Relações Exteriores nem do Ministério da Guerra, mas da Igreja Cristã Viva. Sim, ela ainda vive, apesar de parecer morta. Ela está apenas adormecida. Mas Cristo se porá ao seu lado agora chamando: "Levanta-te filha! Talitha Cumi!".